segunda-feira, 25 de dezembro de 2023
Pedaços
quinta-feira, 21 de dezembro de 2023
Tiro
sexta-feira, 15 de dezembro de 2023
Dezembro
domingo, 19 de novembro de 2023
Boas festas
segunda-feira, 25 de setembro de 2023
Escalada
quinta-feira, 27 de julho de 2023
Caça
quarta-feira, 28 de junho de 2023
Retorno
quarta-feira, 26 de abril de 2023
Dia certo
Às vezes, desejo nada além do dia claro e simples; do dia certo, que só me exige aquilo que devo. E que dessa exigência não brote nada além de serena complacência, que os ruídos dos ares da rotina não sejam extensos e que meu coração não palpite passado ou futuro. Difícil, eu sei, levantar sem pestanejar, curtir aquela viagem de ônibus, fazer a própria comida com gosto, estudar regozijando-se do conhecimento, nem ver a hora passar no trabalho, voltar pra casa satisfeito por dentro. Bater na cama e pensar: o dia foi bom. Bater na cama e pensar: eu fiz bem ao dia.
quinta-feira, 6 de abril de 2023
PC
Quando digo que sofro de ansiedade, não quero dizer que um nervosismo súbito faz companhia ao meu corpo vez ou outra. Quando digo que sofro de ansiedade, quero dizer que sofro de ansiedade. Sem o perdão da palavra; sofro. Sinto uma ardência congelante de dentro pra fora que parece corroer a camada mais profunda da pele, parece ser um frio que emana do coração e do estômago ao mesmo tempo. Dois icebergs pulsando a todo vapor e disparando lanças pontiagudas através de artérias exaustas, neurônios workaholic.
Respiração diafragmática então. Inspiro e expiro dez vezes, vinte, cinquenta. Me jogo sob a água quente do chuveiro e cerro os olhos no escuro, na tentativa de proteger o corpo do mais ínfimo estímulo externo. Deito e tento ouvir o coração, mudo de posição, entrego o corpo voluntariamente, e cada vez mais, ao colchão e, no entanto, coço a perna, mudo o travesseiro, penso naquilo, naquele, nele, nele, na fala, na intenção, em mim, no amanhã, no aniversário, na agenda, em 2026. Lanças e mais lanças impiedosamente ligeiras me atingem em cheio e, em vez de derrubar, me levantam, ando ardente pela casa, vou olhar o céu pela janela da sala, me sento a escrever, destroço a geladeira. Respiro fundo como se tivesse gosto o ar, como se fosse remédio, como se fosse acabar.
Uma ou três horas depois, cabeça na fronha novamente. O pensamento é o tolo de sempre: sou eu que mando no meu corpo, na minha mente. E repito o esforço ao não esforço mental eloquente. Nesses dias, geralmente, é o cérebro que vence - exaurido pela espera de um dono incapaz de colocá-lo pra dormir, sai por onde não vejo, sorrateiramente, e pressiona o Desligar. Saldo primeiro do dia: seu computador não foi encerrado corretamente.
quarta-feira, 5 de abril de 2023
Feijão com arroz
Repara que a vida é também um linear de coisas supostamente desinteressantes que preenchem o cerne das grandes realizações, das loucuras, das tragédias e das glórias? Antes da Sexta, a Quarta-feira; antes do acidente, a seta ligada pra esquerda, uma das mãos jogada despretensiosamente sobre o volante. Um rodízio de sushi com drinks num Sábado barulhento, e o feijão com arroz de um dia estressante. E a louça na pia, o cachorro latindo, o vendedor de vassouras gritando, portas batendo, pessoas falando. O nada em tudo e a todo instante. A sonoridade fragmentária que dá voz às ruas, as formas da lua, um sol que nunca entristece. Um fazer orgânico, os pulmões incansáveis da engenhosa engrenagem dos dias simples; barulho de cebola dourando na panela, o cheiro que vai até o banheiro, perde-se o isqueiro, queima-se o chuveiro. O ônibus demora, o motorista cancela a corrida, divide um pix com tua amiga, acorda no meio da noite e se senta de olhos entreabertos na privada. A casa calada, cortinas em valsa, desamarrota tua calça e sai a trabalhar. Esquece o carregador do celular. Ajeita as alças da mochila. Sem querer, cochila - até que a montanha-russa se depare com a descida.
sexta-feira, 31 de março de 2023
Caligrafia
sábado, 25 de março de 2023
Moeda
O que assisto daqui, de meu claustro um tanto quanto abafado e de paredes cruas, é o que a mente me conta. E que por vezes sussurra ou berra; não há horário apropriado para uma coisa ou outra. Sussurros ao escrever um texto ou me concentrar numa leitura. Berros ao tentar pegar no sono ou ouvir música alta. Meus ecos me fazem companhia e me levam a revisitar festas, trilhas, risadas e cachoeiras; casas de amigos, ruas cheias, sol na pele e vento na cara. E mesmo estes, ecos vibrantes e outrora clementes, me empurram aos possíveis obscurantismos de um devir latente. Me enfiam dúvidas e medos goela a baixo e me mostram o outro lado da moeda da vida. As contas e o supermercado, a louça que se retroalimenta na pia, meu pai doente, a tomografia. Pessoas passando fome na porta da padaria. E seguimos tentando... Assim: no cara-coroa de todo dia.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
Vazão
sábado, 21 de janeiro de 2023
Piscina
Mergulho no desejo com o primor que um nadador profissional perfura a água estática da piscina. Nas águas quentes me banho afoito, porém sem pressa de chegar a lugar algum. De gole em gole me percebo vivo ou morto, bem ou mal, cantando ou chorando. Chego no fundo, me debato, tomo prazeres como meta do campeonato, mas sufoco nos exageros de mim mesmo. Então pego impulso, me lanço nuns ares menos densos como peixe que brinca de viver bem - entendo a necessidade de um oxigênio sem gozo, sem lascívia, sem luxúria, sem ebriedade. Mas logo decaio à frieza das águas que outrora foram abrasantes. Petrifico. Congelo. Procuro as bordas com pressa de banho frio de inverno; minha cabeça emerge da piscina e a boca se abre gorda a sugar os ares límpidos de uma boa noite de sono, de uma alimentação balanceada e de uma rotina que me dá orgulho. Dias depois, no entanto, sinto a mornidão do vapor das águas me beijar a pele suavemente e não me demoro a, dessa vez, utilizar as escadas pra ir em direção ao meu submundo favorito. Com o gelo quebrado e brasas fora de vista, me banho confortavelmente em temperatura ambiente, sem queimar ou ranger os dentes, e me ponho a boiar sobre a insinuação da superfície.
Bebo da água quando quero,
mergulho e retorno vez ou outra.
Tem dias que desespero;
noutros não tomo uma gota.
Não me furto a dizer que há noites que piro
E ainda que por demais encharcado,
respiro.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2023
Tu
A quem chega teus pensamentos frívolos de manhã qualquer? O primeiro olhar que lança ao espelho de um dia gordo é só teu. O último também. A picada ardente de mosquito no mindinho da mão esquerda e a boca do moço que achou atraente no ponto de ônibus. O percurso da tua viagem ao trabalho e o que reparou ao longo das avenidas. O calor e o cansaço. A parte do teu corpo por onde o suor mais escorre e aquela lembrança de outro dia - que da forma como vem a ti, só existe assim: em ti. Aquela mania, umas duas fobias, o chão sujo do teu quarto, e a real sensação daquela alegria. O incômodo com tua barriga, o teu perfume de sempre, teu pesar não dito e a autoestima anunciada em teu sorriso imperfeito. Teu desenho mal feito. Tua voz embargada. O mais obscuro pensamento e ambição incubada. Quem saberás dizer de ti melhor que teu peito? Nem o tempo de uma vida inteira, nem amor ou amizade perene. Antes de se estender e desabrochar em braços de outras relações, é contigo mesmo que o mundo conversa. É na solidão do teu cerne que ele nasce e desperta.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2023
Boa noite
Por que não sobre isso aqui? Estou tentando dormir faz duas horas. Por que não sobre isso aqui? Que verão atípico, esse, Rio de Janeiro. E que livros empoeirados aqueles ali. Até que fiz bastante coisa hoje, mas ainda preciso terminar o texto pra aula de amanhã. E essa fresta na caixa do ar condicionado? Barata, aranha, lagartixa... Melhor nem pensar. Preciso pôr essa cortina pra lavar - talvez os espirros sejam por causa disso. Eita, as roupas na máquina. Coloquei a comida na geladeira? Tô ficando com fome de novo. Por que não sobre isso aqui? Preciso decidir o que fazer no meu aniversário... Embora eu sinta que essa é uma pressão muito mais externa do que interna. Que chato ter que organizar e decidir qualquer coisa porque nasci dia tal e ele se aproxima - ao mesmo tempo, que delícia ter vários amores reunidos. Nossa, já vou fazer vinte e sete - o dobro disso já é cinquenta e quatro. Me sinto um adolescente às vezes. Por que não sobre isso aqui? Amanhã minha primeira aula é às sete, acho que vou de uber pra poder dormir um pouco mais. Tenho que parar de gastar tanto com uber. Mas gasto tanto com besteira... Conforto pra ir à faculdade podia ser prioridade. Ou esse sou eu tentando redimir minha preguiça matinal apenas. Acho que vou tomar outro banho; banho gelado talvez me desperte ainda mais. Mas banho quente nesse calor? Por que não sobre isso aqui? Queria levantar pra ver o céu da janela da sala. Preciso controlar essa vontade de comer doce. Faz um tempo que não visito minha avó; esse fim de semana eu vou sem falta. Será que minha tia tá bem? Vou mandar mensagem. Saudade de minha mãe. Vou rezar. Por que não sobre isso aqui? Quem é o louco que buzina uma hora dessa? Meu Deus, as pessoas. Meus Deus, O Brasil. Os canalhas, os golpistas. Por que não sobre isso aqui? Vai dormir, porra! Vai dormir.