quarta-feira, 5 de abril de 2023

Feijão com arroz

 Repara que a vida é também um linear de coisas supostamente desinteressantes que preenchem o cerne das grandes realizações, das loucuras, das tragédias e das glórias? Antes da Sexta, a Quarta-feira; antes do acidente, a seta ligada pra esquerda, uma das mãos jogada despretensiosamente sobre o volante. Um rodízio de sushi com drinks num Sábado barulhento, e o feijão com arroz de um dia estressante. E a louça na pia, o cachorro latindo, o vendedor de vassouras gritando, portas batendo, pessoas falando. O nada em tudo e a todo instante. A sonoridade fragmentária que dá voz às ruas, as formas da lua, um sol que nunca entristece. Um fazer orgânico, os pulmões incansáveis da engenhosa engrenagem dos dias simples; barulho de cebola dourando na panela, o cheiro que vai até o banheiro, perde-se o isqueiro, queima-se o chuveiro. O ônibus demora, o motorista cancela a corrida, divide um pix com tua amiga, acorda no meio da noite e se senta de olhos entreabertos na privada. A casa calada, cortinas em valsa, desamarrota tua calça e sai a trabalhar. Esquece o carregador do celular. Ajeita as alças da mochila. Sem querer, cochila - até que a montanha-russa se depare com a descida.

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