quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Mar negro

Às vezes surge na tarde aquela vontade de pegar um corpo qualquer e o pôr a me ouvir. E com admirável eloquência vomitar o que carrego dentro de mim, o que carrego na mente e no peito, o que não aceito, o que não tem jeito. Falar das ondas escuras que às vezes assolam os dias... Aquelas que voltam com força, que não se anunciam, simplesmente crescem e te engolem. Que veem, que vão. Que chegam, que partem. Porque na verdade é disso que se trata tudo isso aqui. Ciclos, fases, repetições, e a nossa resistência, e a nossa luta, e o nosso gozo.

Seria eu o resmungão do século então? Longe de mim. Discursaria também sobre as gostosas calmarias, sobre os leitos tranquilos que dormem sob nossas estrelas longíquas e sobre nossos momentos de ascensão e flutuação sobre águas cristalinas. Sou extremamente grato às tréguas que esse mar nos dá, sou grato aos que estendem as mãos em tempos de ressaca e à beleza que cai sobre a praia, nos dias em que tsunamis são apenas distantes lembranças.

Falaria, por fim, de meu real desejo: que sempre retornemos incansáveis à superfície, sem jamais nos deslumbrarmos pela beleza feia de uma profundeza qualquer.

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