Meu coração
palpita, pedindo mais. Sinto um frio percorrer todo meu dorso e baldes de gelo
são despejados em minha nuca e abaixo de meu diafragma. Um frio que antecede uma
sede por calor. Sede com fúria, sede com dor. Porque essa coisa pulando dentro
de mim não está satisfeita com mera quentura viscosa e avermelhada. Porque
basta a noite ganhar corpo que ele tem fome, ele tem sede, ele convulsiona de
desejo.
Eu vou sair
pra perambular pelas ruas então, e vagar meu espírito por lugares sagrados, por
lugares sedentos, lugares sangrentos. Lugares que avistam o sol antes dos olhos
bêbados da manhã, e lugares onde o vento não faz visita. Quero caminhar sem
pressa, de modo a alimentar aos poucos essa minha vontade de comer o mundo. Ah,
o mundo... O mundo e seus pedaços desgostosos, pedaços insossos e sebentos.
Pedaços que estão prestes a apodrecer na geladeira, aqueles restos que lambemos
diariamente.
Mas não, não
quero. Vou me virar em centenas de esquinas e admirar casas de ruas escondidas, os postes e as paredes sujas. Redesenharei algumas construções, pra que se
encaixem melhor em meus sonhos embaçados. Meus pés brincarão com cada
deformidade do chão quente, e o descreverão tão bem quanto minhas narinas
descreverão a densidade dos ares urbanos, o odor das sarjetas e algumas
fragrâncias bucólicas.
Minha
língua, mais luxuriosa do que nunca, vai sentir o gosto de outras muitas, e também o de verdes
desconhecidos e o de cores não imaginadas.
Minha pele, por sua vez, será nada hermética. Um convidativo lenço protetor de
toda uma fartura almática, a porta de um estoque de rútilos e sombras disponíveis a mim. Disponíveis a quem alcançá-los. Meu coração, por fim, baterá mais
forte e mais saudável, bombeando tudo pra fora, tudo com vontade, tudo com
amor.
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