quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Prazer almático

A inspiração se foi, me odeio por isso. Ineficiente no que me propunha a fazer. Petulância da mente. Como se atreve, insana necessária? Penso. Repenso. Penso de novo. Não quero repensar. Busco outro tema, outro artifício pra minha libertinagem da realidade. Volto à minha ação primeira. Choro negativo. É preciso sentir e expelir na forma de arte. Não é assim que funciona? Gozo artístico, orgasmo da alma... Aquele que te faz trasbordar de prazer, querer perpetuar sua existência na realidade paralela que é seu cômodo favorito. O líquido excretado tem a cor do seu humor e cheiro de emoção. Se escreve por exibicionismo, será frio. Se por paixão, te queimará. Almejo ser escaldado por ele, ter meus órgãos cozidos em sua barulhenta ebulição e, a cada dissolvimento, ter uma parte de mim mais viva. Estou tentando, mas sou detestavelmente um fracassado. Um fracassado provisório... Gozei!

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Talita

    Era um dia de decadência, como qualquer outro daquele ano insuportável. Ela acordou às 5 da manhã. Tinha dormido apenas uma hora. Em algumas noites não chegava nem a dormir. Sua mente ultrapassava o que podia ser dito como turbulento. Lembrou-se da época do colégio. Costumava acordar nesse mesmo horário, por vezes tendo dormido durante o mesmo tempo. Sentiu-se estrangulada por lembranças internas que só ele conhecia. A essa hora ele ainda estaria acordado? Talvez adormecido em sua poltrona com um caderno no colo.
     Seria estranho pensar nele assim quando o conheceu, mas a imagem que tinha agora era marcada pelo forte aroma de cigarros. Era irônico pensar quantas vezes ele tinha insistido para que ela abandonasse aquele vício, enquanto que o efeito foi exatamente oposto. Era como se fosse o cheiro dela, impregnado nele. Seus pulmões eram semelhantes, assim como a melancolia, que nele, ela modelara caprichosamente. Ela refletiu um pouco, e não podia negar que tamanha ironia era divertida, uma espécie de degustação prazerosa da tragédia.
     Após algumas sessões de respiração lenta e profunda, ela reuniu forças, se alimentando apenas da necessidade doentia de observá-lo. Levantou-se da cama desconfortavelmente fria, e foi vê-lo. Ele estava a um cômodo de distância, mas ela sentia como se estivesse a uma distância muitas vezes maior. Como tinha imaginado, ele repousava, de corpo e mente exaustos, na poltrona também desconfortável. Ela se deu ao trabalho de escrever um bilhete. Um bilhete bem curto para uma despedida. Ali, disse que o amava, pediu perdão pelo egoísmo, e desejou-lhe sorte ao tentar destruir nele mesmo, o que nela nunca tivera conserto. Então, disse que a vida dele, a partir dali, recomeçaria, e que ele reencontraria o caminho para a felicidade. Finalizou dizendo onde ela estaria, e pedindo-lhe que não fosse procurá-la. Dobrou o papel de modo que ele pudesse ser preso na caneta dele, e lhe deu um beijo longo, porém sutil, antes de partir.
     Saiu. Foi levada instintivamente à rua onde tinha passado tanto tempo desejando o inalcansável e admirando o vazio. Um rio não muito profundo, e não muito limpo também, podia ser visto a uma altura considerável da ponte onde ela se debruçou, a ouvir seu coração acelerado, como se estivesse empolgado com a ideia de parar. Coragem. Ela subiu na grade de proteção. Abriu os braços, com todo o tom de drama cinematográfico. Não fechou os olhos. Caiu. Então respirou pela última vez. Adeus, Talita.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Loucos


- E pra que serve essa faca na sua mão?
- Prazer...
- Não seria dor?
- Dá no mesmo. Eu gosto dela. Essa é minha de estimação.
- E tem outras?
- Bastante.
- Onde?
- Vários esconderijos.
- Como as usa?
- Depende do meu humor. Pode ser nos outros, pode ser em mim... Às vezes alguém as usa  por mim.
- Como assim alguém as usa por você?
- Quer experimentar?
   Ela entrega a faca na mão dele. Seus olhos sorriem, mas seus lábios permanecem sérios. Ele a observa chocado e confuso.
- O que eu faço?
   Não era bem isso que ele queria dizer. Sabia que devia ter negado. Mas parecia encantado com o mistério daquela faca, e de sua dona.
- Corte.
   Ela expôs seu braço esquerdo, desenhado sutilmente com cicatrizes.
- Como?
- Você precisa sentir o fio... A faca precisa fazer parte de você.
   Ela pegou a mão dele e o fez segurar a faca com mais firmeza.
- É boa, a sensação...
   Instintivamente, ele passou o dedo da mão direita pela parte cortante da faca.
- Consegue sentir? A conexão?
- Aham...
   Ela o olhou nos olhos.
- Ei, você não precisa fazer isso se não quiser.
- Não?
   O olhar dele pareceu ingênuo. Ela o beijou. Subitamente, ele segurou o braço dela com firmeza e fez um único corte. Não muito fundo, mas preciso. Ela gemeu.
- Achei que não o quisesse.
   A voz dela era fraca. Ele lambeu o sangue do aço.
- E perder essa sensação? É maravilhosa!
- Que bom que entende meu ponto.
   Pela primeira vez, ela sorriu. Ele sorriu de volta.
- Somos loucos.
- Claro que somos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Um guarda-chuva pra dois.

   4 e meia da tarde, All star no pé, olhos de ressaca, roupas largas e fones no ouvido. Esse era eu andando por andar sobre o meio-fio de uma rua pacata, triste, um tanto quanto solitária. Assim como eu naquele momento. A sensação de semelhança entre a rua e meu ser me fazia bem. Era bom ver que não estava totalmente sozinho. Pelo menos ali. Era Outono, a coloração das folhas das árvores soava perfeita quando estas, tocadas pelo sol, davam um tom amarelado à rua, a mim. Talvez fosse coisa da minha cabeça. O meio-fio era meu suporte, percorrê-lo era meu único intento. E quanto aos desiquilíbrios pelo meio do caminho? E quanto às imperfeições do meu trilho? E quanto a minha disposição para me reequilibrar e seguir em frente? Torções de tornozelos são sempre dolorosas. O medo de anomalias ruins pelo caminho existia. A desistência, porém, nunca foi uma opção. A rua era imensa e eu já estava exausto. Iniciava-se uma garoa. Avistava uma silhueta se aproximar em minha direção. Era uma jovem, suponho que da minha idade. Cada vez mais próximos e nada acontecia. Permanecíamos caminhando e cada vez maior era a semelhança entre nossas situações, revelavam os olhares de um ao outro. Nos encontramos, paramos a olharmos por algum tempo. De quem seria a primeira atitude para cessar aquele impasse? A chuva aumentou. Muito. Ouvia-se o grito dos telhados, arrancados pela força da água. Ela tirou um guarda-chuva amarelo de sua bolsa, me segurou pelo braço e me pôs embaixo dele, juntamente a ela. Me acalentara. Assim mesmo, como se já fossemos amigos íntimos. Continuamos a andar, mas fomos ousados e seguimos pelo meio da rua.  Unidos pelo Guarda-chuva. Bem pelo centro. Sem medo. Com os braços dados.

A tempestade parou. Vamos?

        Me sinto como num barco depois de uma tempestade em alto mar... O sol vem e ilumina os destroços e meu corpo exausto sobre eles. Brilhamos. A água tão frágil e serena reflete o magnífico sol. Uma enorme sensação de calmaria toma minha vida, pela qual, o barco é testemunha, eu venho lutando arduamente durante um bom tempo. Mas ambos sabemos, eu e o barco, que ainda há muito a se resolver. E talvez, (e disso só a nossa amiga bipolar, água, pode saber), a tempestade volte. Mais forte, diferente, mais ou menos destrutiva. E não importa o que eu faça, não estaremos prontos. Meu pobre barco danificado e eu podemos afundar na próxima, e eu morreria afogada nos meus próprios medos e decepções. Mas nada disso importa no momento, pois sobrevivemos à última batalha e isso nos traz uma força facilmente abalável para lidar com a próxima luta pela vida. Esperanças de que dessa vez o descanso dure um pouco mais. Meu barco e eu concordamos, uma companhia não faria mal. A água não é confiável, nem mesmo o barco, ou eu mesma, nem o sol. Mas talvez você possa ser, pelo menos por enquanto. E por favor, não chore. Talvez a esperança seja o caminho mais curto para a desgraça, mas talvez não. E eu vou ficar bem. Vamos ficar. Não importa nada, e agora eu só preciso de você. Como amigo, como sobrevivente, como semelhante. Estamos tão perto... Acreditamos nisso juntos. Acreditamos que podemos mudar o rumo de tudo. Que podemos ser felizes! Agora é hora! É hora de viver, viver para a arte, viver para a felicidade...

terça-feira, 31 de julho de 2012

Cativeiro






    Ela abriu os olhos. Não viu nada. Foi movimentando-se lentamente na tentativa de se levantar do chão frio e úmido. Não sabia onde estava, começava a se apavorar. Seus olhos se acostumavam com a escuridão, Suas mãos ardiam como se tivessem sido retalhadas pela lâmina mais fina que possa existir. Sentia um líquido morno e viscoso escorrer vagarosamente por sua barriga dolorida. Fazia ideia do que poderia ser. Respirando com imensa dificuldade ela rastejava, traçando com sangue o caminho que percorria pelo chão. Ao achar uma parede ela apoiou suas duas mãos e com muita força nas pernas conseguiu ficar de pé. Foi dando passos curtos e laterais com o auxílio da parede, que não cheirava bem. Encostou seu cotovelo na fechadura gélida de uma porta de ferro e emitiu um som abafado, uma tentativa de grito, com o susto. Ouviu vozes vindas do outro lado da porta. Ficou amedrontada e sem saber o que fazer foi se afastando da porta, tropeçou e caiu de costas, levantou cambaleante enquanto a porta se abria rapidamente com o que parecia ter sido um chute. Não conseguia enxergar nada ao olhar em direção a porta, a claridade queimava seus olhos como fogo queima um simples papel. Conseguia ver, embaçadamente, uma silhueta parada na porta. Perguntou quem era com a voz trêmula e bastante forçada. A resposta foi dada com três disparos em sua direção, não conseguiu gritar, seu corpo foi jogado pra trás numa velocidade incrível. Dor, mais dor, resistência, olhos se fecham, último suspiro, escuridão.
   Ela abriu os olhos. Sorriu, deu um suspiro de alívio e levantou de sua cama.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Antítese

     Querida amiga, meu desejo é vê-la dilacerando sua alma. Desintegrando cada pedaço putrefeito e acinzentado que seu ser carrega. Tentando mesmo que cultivando o ódio, se desfazer desse mal que a acompanha. Querida amiga, quero que se jogue no beco mais necessitado de iluminação, quero que apague num lugar abandonado, e deixe serem exalados todos os seus pesares. Quero que beba, beba muito. Que preencha cada espaço vazio do seu estômago com álcool, até que o mundo comece a girar. Quero que encha suas veias com heroína pela última vez e que consiga dizer não a essa coisa que se arrasta acorrentada a seus pés. Quero que fume duas dezenas de cigarros, até que a fumaça te acalente como se fora sua melhor amiga, ou sua mãe. Quero que viva e morra nesse processo, e quero que deixe o mal tomar conta do seu ser. Mas me promete, me promete que seu corpo ainda vai viver. Te proíbo terminantemente de tocar em lâminas, ou em qualquer instrumento que possa servir para tirar sua vida fúnebre e infeliz. Te proíbo de pensar sequer em algo assim. Quero que sofra. Que sofra até que o sofrimento rasgue seus poros, e se livre desse corpo tão impotente que você usa como se não fosse seu. Quero que então, possa se levantar, sem saber ao certo onde esteve, ou quem fora, ou quem é essa pessoa que adormeceu ao teu lado, tão desnorteada quanto você. Quero que se desprenda de toda essa escuridão que te cercou, e que levante sabendo, sentindo, que agora tudo vai ficar bem. Quero que se obrigue a manter essa euforia, e que se agarre a ela como se fosse ela um orgasmo dos melhores. Quero que abandone esse canto desconhecido onde acordou. Quero que não volte a ele nunca mais. Quero que procure pela primeira vez na vida, algo de produtivo para te ocupar. Algo que te permita esgotar todo esse ódio e todo esse tédio que você mantém dentro do peito. Desejo que sua alma brilhe. Que ela ilumine cada parte desse corpo tão usado que então terá uma nova vida, novos princípios, um novo propósito. Então, compartilharemos o amor que será nosso novo objetivo em comum. E da próxima vez que resolver se afundar nessa tortura e seguir sua amiga morte, eu estarei do teu lado e “viverei” contigo.