sábado, 5 de outubro de 2024

Ventania

Vontade e preguiça.
Tantas águas e ares distintos 
Num caminhar.
Excitação e desalento. 
Tantos graus na lupa
Do meu olhar.

Tento a mira pra frente.
Por vezes sou nem gente.
Por vezes me ajeito 
Como quem sai pra casar.

Consegue alguém quebrar 
O código de transitoriedade 
Obrigatória de aqui estar?
E se o faz,
Que faz então
Da perenidade de tudo?
Ama sempre igual
Com visço na pele
Só sofre o bem
Só ganha o mal.
Que comes?
Açúcar ou sal?

Me peguei escapando,
Revisitando a mim,
Lutando comigo.
Batalha perdida 
Contra as idades,
Contra o vento 
E tudo que ele move,
Tudo que ele morre
E apaga 
E incendeia.

Contra a mais tímida
Chama do tempo,
Nem sopro
Nem choro
Nem areia.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Coletivos

Hoje me admirei com os automóveis potentes e exuberantes parados há cinquenta minutos num mesmo ponto do trânsito. Me admirei com tamanho avanço, com a grandeza da nossa era, com a modernidade gritando de ponta a ponta da cidade lotada de ensurdecedoras luzes vermelhas e amarelas. Em meio a qualquer ruído das seis da noite, quem grita mais alto são os carros, as sirenes, as buzinas, as bocas raivosas de volantes que estão sempre certos e que, não, não dão passagem a ninguém. Qualquer espaço perdido na avenida é perda de tempo e todo mundo tem pressa de chegar. Muitas vezes a coisa que mais demora em nossos dias é pela qual queremos passar o mais rápido possível, isso é certo. E hoje, num ônibus, mais ou menos quarenta pessoas representavam essa mesma quantidade de carros a menos nos túneis infinitos do cair da noite carioca. Me peguei pensando, ali, naquele claustro abarrotado, na engenhosa e brilhante máquina que é um automóvel. E também na grandiosa burrice coletiva que nos acomete em dias úteis.

sábado, 16 de março de 2024

Noite e dia

 E quase toda noite sou ardência. 

Guardo pra mim minha carência.

 E me repito em versos e hábitos nefastos. 

Sigo bem todos meus rastros. 

E tento cortar caminhos 

por onde desconheço.

Numas manhãs, padeço.

E então gasto o dia assim:

Reacendendo vida em mim,

Tentando me tirar do avesso. 


sexta-feira, 15 de março de 2024

Sonho

A estrela que me peguei observando 
Não era a que mais brilhava.
Estranheza porque a mim bastava
Cortante cintilância em suas pontas. 

A estrela que me apontaram
De longe era a mais resoluta
Era caminho sem tanta luta
Mas de perto me era opaca.

Em meio a brumas e luas cheias
Tamanha persistência daquela
A sempre me olhar na janela
E me iluminar de dentro
Desejando não ser mera
Quimera.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Ciclo

Pra onde voam
As tantas borboletas
Do meu estômago?

Correm pra onde
Em meio ao âmago?

Agitam asas do amanhã
Da festa que vem...
Dos dias escuros
Da fala de alguém...

Floreiam meus campos
Generosamente
Com pétalas de dúvida
Com pétalas de medo

E então (re)pousam 
No leito das vísceras
Quando ao incerto
Dou meu sossego. 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Minutinhos

 A chuva não passa e nem o ônibus. O médico não libera a alta e o frango assado não chega no ponto. O discurso tedioso não acaba, o chaveiro não chega, teus amigos não aparecem, um celular que não vibra. E olha pra tela a cada minuto, olha pela janela contorcendo o pescoço, bate o pé, levanta e senta, bate a porta da geladeira. A fila tá quilométrica, acho que aquele caixa tá mais vazio; guichê cinco, senhora, aguarde sua vez. Nove meses carregando o filho, o sinal do recreio já vai bater, o carro de teu pai já já dobra a esquina e teu crush vai finalmente te beijar. A pizza chegou? Esse comercial tem cinco minutos, a carne não descongela, a piscina não enche... A iminência da resposta já faz semanas que te afliges; se sim ou se não, se vai ou não vai, se certo ou errado, se glória ou terror. E um abismo que paira no ar de toda a nossa miudeza diante dele, o tal senhor, que nos sopra onde for: aguarde um minutinho por favor.