Viver no nosso tempo não é viver no tempo do mundo. E ao mesmo tempo é, já que aqui estamos. Hoje meu dia teve cinquenta e duas horas e eu não fiz muito além de lavar uns pratos, comer coisas triviais e assistir coisas que amanhã não vou lembrar - aliás, é muito disso que se tratam muitas das coisas que são consumidas nos tempos daqui: a descartabilidade crônica, os estímulos meramente visuais a todo momento, os sentimentos efêmeros transbordando por todos os limites. Não podemos perder o último lançamento daquele artista do momento porque não vamos saber o que falar na mesa do bar no dia seguinte - e perder um lançamento tem significado não assistir exatamente no dia. Não temos muito tempo. Aquela coreografia hit precisa ser memorizada até o dia da festa pra gente não ficar apenas dando goles em nossos copos alcóolicos e cantarolando alguma coisa. Não temos muito tempo. As notícias, ainda que pertinentes, àqueles que vivem de informação de segundos atrás, não podem ser da semana passada, não servem se não borbulharem o cérebro de tão quentes que estão; um assassinato bárbaro de dias atrás não é mais notícia hoje. Vamos todos ficar de cabeça baixa e com olhos atentos ao espelho negro que carregamos em mãos e rolar a tela o mais rápido possível então. Precisamos das últimas músicas, dos últimos memes e dos últimos stories. Temos que ser os primeiros a terminar aquela série, os primeiros a poder dar um spoiler, os primeiros a chegar com aquela informação no grupo de amigos. Ter informação também é chamar a atenção para si. Aí só resta nos desdobrarmos em trinta pra darmos conta de diversas esferas de (des)informação ao mesmo tempo e termos a sensação de que estamos muito mais no presente do que os outros - ou muito mais no futuro que inventamos. Mas que absurdo não captarmos a referência de qualquer coisa que seja, não é mesmo?! Que atraso. Bom mesmo é saber de tudo, nem que seja um pouquinho, nem que seja só pra parecer que sabemos de fato. Então vamos continuar engolindo tudo sem mastigar - de preferência, queimando a boca -, sem questionar se realmente gostamos ou se nos faz bem, robotizando nossas reações ao chega, sem nos aprofundarmos muito em nada. Pra quê? Que é pra dar tempo de comer muito mais. Que é pra ter muito mais o que vomitar depois.
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