Acorda no
susto e pula, e corre, e perambula entre uns móveis traiçoeiros. O rosto seco e
amassado, como saco plástico que fora diminuído a nada e depois fora tomado por
ar. Os pés descalços e as mãos agitadas, tateando as paredes do corredor pouco
iluminado. Toma um banho chato, escova os dentes logo, põe a roupa rápido e
mastiga algo trivial e engole. E corre, e volta pra buscar as chaves. Desce as
escadas com pés afoitos, esquecendo-se de diversos degraus, e faz a mão passear pelo
bolso, procurando uns trocados sujos para a tarifa do ônibus. Que caro esse
ônibus! E ele não espera, ele às vezes nem para, nem te olha, ou olha na tua
cara e vai embora. Quando te acolhe, não raro é num calor abrasante, te pega
nos braços e queima teus miolos, te escorre roupa a baixo, te sacode num ritmo apressado. Tu em pé, eles em pé, o suor em tua testa, o suor na testa
deles, oitenta quilômetros por hora lhes comendo vivos.
Está tudo
muito quente em tua vida. Tua cidade, teu bairro, tuas ruas e calçadas, tua
cozinha e tua cabeça. Até a água do chuveiro elétrico desligado, por vezes, te
escalda, fere tua pele e te contorce a face. O sol emana um fogo que te afoga,
que te cansa, e a sombra já não te cura mais de nada. Porque toda essa fúria
dos dias cálidos não esfacelam tuas angústias e teus desgostos como esfacelam a
ti. As labaredas da rua não queimam a lenha que os desgastes dos dias produziram,
não queimam tuas tarefas enfadonhas, não queimam tuas contas com o diabo,
tampouco queimam teus desejos ambiciosos.
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