quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Vidraçaria particular

 Sentado no banheiro, os azulejos me olhavam com olhos gigantes. Cada um, um problema que inventei. Uns fantasmas que criei e que por vezes alimentei com fartura, alimentei com meu corpo, com meu tempo, com meu desgaste. Me olhavam os olhos dos meus medos, os olhos dos meus anseios atordoados, olhos do corpo que eu deliberadamente debilito, da mente que me bota de castigo e de uns desejos que não permeiam a necessidade.

Me olhavam através de azulejos retangulares, cada um em seu devido espaço, me sussurrando coisas, me mostrando outras, me gritando e me extremecendo. Também tinha a culpa, claro, que me olhava de cima, espaçosa, o teto todo pra ela. No espelho, o reflexo de umas relações mal cuidadas, porque eu precisava tomar conta de mim primeiro.

Tem dias que o cômodo mais convidativo da casa é o banheiro realmente. Pulo dentro da parede, me forço a caber naquelas arestas e divido meu claustro com um monstro imaginário, mas que é vivo e tá sempre por ali. Às vezes conversam, às vezes não querem nem ouvir. Já matei alguns - afoguei na privada, dei descarga e me senti mais leve. Outros, têm toda minha atenção, embora exprimam ordens e ditem regras violentas.

Fácil pensar que o melhor que eu faço por eles - e por mim - é parar de lhes dar a dosagem diária de ração, é negar um gole sequer de água, negar uma palavra e até uma olhada. Talvez eu devesse mesmo enxergar essas paredes de outra forma, com azulejos feitos de vidro, um vidro frágil, com espessura de papel e cor de ar. Deveria conseguir ver claramente através deles. E então poder quebrar um por um, acertá-los em cheio com um picador de gelo e dividi-los em milhares de partes solitárias. Ouvir os urros agudos de algumas dores se esvaindo para longe. Varrer, então, umas partes podres de mim do chão. E tomar atento cuidado para não pisar nos meus cacos pelo meio do caminho.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Insônia

  Queria me deitar sereno, sem rituais que não funcionam. Queria não conhecer cada minuto das madrugadas longas e não ser tão familiarizado com cada centímetro dessa cama. Queria não perturbar o sono do travesseiro e do lençol toda vez que meu corpo surta. Queria não dissecar desesperadamente esse teto de angústias, essas paredes de compromissos relativamente distantes, esse guarda-roupas de sonhos longínquos e esse ar de afazeres do amanhã. Queria não me abrigar no chão numas noites meio estranhas... E tampouco ser bailarino de uma mente tão dançante.

  Não me levantar sete vezes e me satisfazer com a temperatura do ar condicionado. Não lembrar que amanhã existe e deixar o céu da noite em paz. Não ter um celular, não ter que planejar, nunca me preocupar e nem sequer pensar. Queria eu. Queria eu... Nada de braços dormentes e costas coçando. Nada de dor de cabeça ou coração palpitando. Levantar às 3h pra despejar coisas no papel em branco? Nem em sonho. E jamais atender as ligações dos meus demônios.