Sentado no banheiro, os azulejos me olhavam com olhos gigantes. Cada um, um problema que inventei. Uns fantasmas que criei e que por vezes alimentei com fartura, alimentei com meu corpo, com meu tempo, com meu desgaste. Me olhavam os olhos dos meus medos, os olhos dos meus anseios atordoados, olhos do corpo que eu deliberadamente debilito, da mente que me bota de castigo e de uns desejos que não permeiam a necessidade.
Me olhavam através de azulejos retangulares, cada um em seu devido espaço, me sussurrando coisas, me mostrando outras, me gritando e me extremecendo. Também tinha a culpa, claro, que me olhava de cima, espaçosa, o teto todo pra ela. No espelho, o reflexo de umas relações mal cuidadas, porque eu precisava tomar conta de mim primeiro.
Tem dias que o cômodo mais convidativo da casa é o banheiro realmente. Pulo dentro da parede, me forço a caber naquelas arestas e divido meu claustro com um monstro imaginário, mas que é vivo e tá sempre por ali. Às vezes conversam, às vezes não querem nem ouvir. Já matei alguns - afoguei na privada, dei descarga e me senti mais leve. Outros, têm toda minha atenção, embora exprimam ordens e ditem regras violentas.
Fácil pensar que o melhor que eu faço por eles - e por mim - é parar de lhes dar a dosagem diária de ração, é negar um gole sequer de água, negar uma palavra e até uma olhada. Talvez eu devesse mesmo enxergar essas paredes de outra forma, com azulejos feitos de vidro, um vidro frágil, com espessura de papel e cor de ar. Deveria conseguir ver claramente através deles. E então poder quebrar um por um, acertá-los em cheio com um picador de gelo e dividi-los em milhares de partes solitárias. Ouvir os urros agudos de algumas dores se esvaindo para longe. Varrer, então, umas partes podres de mim do chão. E tomar atento cuidado para não pisar nos meus cacos pelo meio do caminho.