quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Mergulho

Não conheces cada dobra desse teu dedo,
Cada curva de tuas costas,
As omoplatas, a nuca

Há chama acesa em ti,
Um vulcão ativado nas vísceras
E labaredas em olhos cálidos.
Dá lenha, dá ar,
Tenta apagar.

Teus nãos e teus sins,
A boca nervosa
Que amordaça a consciência
E uma ereção no transporte público.

O medo que nunca sentiu,
As flores que nunca cheirou,
As merdas que nunca comeu,
As drogas que nunca usou.

Acorda pra matar tua sede,
Te joga no lago misterioso
Dessa alma pouco explorada.
Afoga-te.
Vá ser turista de ti.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Volta


Parti e deixei sentimentos sublimes impregnados naquelas ruas, naquele quarto, naquela cidade. Trouxe comigo coisas novas, presentes para o espírito. Trouxe pedacinhos de amizades e cheiro de tinta. Trouxe a dor da lonjura e a expectativa da chegada. Sem suicídios pré-meditados, sem ciúmes exagerados no meio do caminho. Só uns prédios sujos com vergonha da gente, o sol quente, e um pouco de charme na fala.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Ser só. Estar só.

Sábado de manhã, em minha cama, lendo um livro, entra minha irmã em meu quarto e me sai com essa: "Igor, você é tão só!". Pegou alguma coisa e saiu, enquanto eu fechava o livro e franzia a testa. Eu? Sou só? Nunca havia parado para pensar sobre, mas já que a oportunidade bateu na porta, eu abri.

Bom, há uma diferença bastante significativa entre ser só e estar só, apesar, claro, da sutileza com que isso nos é apresentado no dia a dia.

Há, infelizmente, em grande parte dos lugares que frequentamos, pessoas que são sozinhas. Aquele garoto da festa que tenta sorrir e fazer o que os amigos estão fazendo, mas que, por alguma razão mais profunda do que um mal estar, não consegue interagir da mesma forma que o resto do grupo ou compartilhar das mesmas sensações. A moça que, na rua, anda correndo e olhando para baixo, rígida, assustada. Pessoas que se fecham pra tudo isso que tá aí, que tremem ao serem abordadas por um desconhecido simpático. Essas pessoas que podem estar no meio de uma multidão mas estarão sós, são sós.

Portanto, por serem assim, não é de se surpreender que prefiram estar sozinhas, livres desse medo de viver e abraçar o mundo. E é aí que se dá a confusão entre esses rótulos. Todos trancafiados em seus quartos, como saber quem está e quem é?

 Estar só é simplesmente querer ficar consigo, ouvindo os próprios gritos, dialogando com os próprios medos. É se limpar de toda concessão que fazemos pra conseguir viver bem com os outros e passar a viver melhor com nós mesmos. Estar só é, antes de qualquer coisa, um convite à sinceridade.

Não que os solitários de espírito não o sejam ou não o façam, porém a distinção se apresenta quando estamos todos fora de nossos claustros, lidando com o mundo, com o outro. Ser só é triste e requer análise e atenção. Estar só, e bem, é apenas paz de espírito. É auto-acolhimento. É amor com as horas vagas.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Piano

Ainda que relacionamentos não combinem com posse, tenho desejado um alguém pra chamar de meu. Em minhas mãos apenas casos por casos. Tenho sido o piano do salão de um bom anfitrião. O que diversas mãos tocam. Bem ou mal. Afinando ou danificando. Me deixaram algumas marcas ao explorarem meu lado mais grave, ao me tocarem com força, ao derramarem coisas em mim. Uns, mãos tão boas, toques tão sutis. Mas ninguém me levou pra casa, ninguém me fez feliz. Fiz barulho, me fechei durante alguns dias. E fiquei aqui. Parado. Cansado. Esperando o próximo vir.