segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Loucos


- E pra que serve essa faca na sua mão?
- Prazer...
- Não seria dor?
- Dá no mesmo. Eu gosto dela. Essa é minha de estimação.
- E tem outras?
- Bastante.
- Onde?
- Vários esconderijos.
- Como as usa?
- Depende do meu humor. Pode ser nos outros, pode ser em mim... Às vezes alguém as usa  por mim.
- Como assim alguém as usa por você?
- Quer experimentar?
   Ela entrega a faca na mão dele. Seus olhos sorriem, mas seus lábios permanecem sérios. Ele a observa chocado e confuso.
- O que eu faço?
   Não era bem isso que ele queria dizer. Sabia que devia ter negado. Mas parecia encantado com o mistério daquela faca, e de sua dona.
- Corte.
   Ela expôs seu braço esquerdo, desenhado sutilmente com cicatrizes.
- Como?
- Você precisa sentir o fio... A faca precisa fazer parte de você.
   Ela pegou a mão dele e o fez segurar a faca com mais firmeza.
- É boa, a sensação...
   Instintivamente, ele passou o dedo da mão direita pela parte cortante da faca.
- Consegue sentir? A conexão?
- Aham...
   Ela o olhou nos olhos.
- Ei, você não precisa fazer isso se não quiser.
- Não?
   O olhar dele pareceu ingênuo. Ela o beijou. Subitamente, ele segurou o braço dela com firmeza e fez um único corte. Não muito fundo, mas preciso. Ela gemeu.
- Achei que não o quisesse.
   A voz dela era fraca. Ele lambeu o sangue do aço.
- E perder essa sensação? É maravilhosa!
- Que bom que entende meu ponto.
   Pela primeira vez, ela sorriu. Ele sorriu de volta.
- Somos loucos.
- Claro que somos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Um guarda-chuva pra dois.

   4 e meia da tarde, All star no pé, olhos de ressaca, roupas largas e fones no ouvido. Esse era eu andando por andar sobre o meio-fio de uma rua pacata, triste, um tanto quanto solitária. Assim como eu naquele momento. A sensação de semelhança entre a rua e meu ser me fazia bem. Era bom ver que não estava totalmente sozinho. Pelo menos ali. Era Outono, a coloração das folhas das árvores soava perfeita quando estas, tocadas pelo sol, davam um tom amarelado à rua, a mim. Talvez fosse coisa da minha cabeça. O meio-fio era meu suporte, percorrê-lo era meu único intento. E quanto aos desiquilíbrios pelo meio do caminho? E quanto às imperfeições do meu trilho? E quanto a minha disposição para me reequilibrar e seguir em frente? Torções de tornozelos são sempre dolorosas. O medo de anomalias ruins pelo caminho existia. A desistência, porém, nunca foi uma opção. A rua era imensa e eu já estava exausto. Iniciava-se uma garoa. Avistava uma silhueta se aproximar em minha direção. Era uma jovem, suponho que da minha idade. Cada vez mais próximos e nada acontecia. Permanecíamos caminhando e cada vez maior era a semelhança entre nossas situações, revelavam os olhares de um ao outro. Nos encontramos, paramos a olharmos por algum tempo. De quem seria a primeira atitude para cessar aquele impasse? A chuva aumentou. Muito. Ouvia-se o grito dos telhados, arrancados pela força da água. Ela tirou um guarda-chuva amarelo de sua bolsa, me segurou pelo braço e me pôs embaixo dele, juntamente a ela. Me acalentara. Assim mesmo, como se já fossemos amigos íntimos. Continuamos a andar, mas fomos ousados e seguimos pelo meio da rua.  Unidos pelo Guarda-chuva. Bem pelo centro. Sem medo. Com os braços dados.

A tempestade parou. Vamos?

        Me sinto como num barco depois de uma tempestade em alto mar... O sol vem e ilumina os destroços e meu corpo exausto sobre eles. Brilhamos. A água tão frágil e serena reflete o magnífico sol. Uma enorme sensação de calmaria toma minha vida, pela qual, o barco é testemunha, eu venho lutando arduamente durante um bom tempo. Mas ambos sabemos, eu e o barco, que ainda há muito a se resolver. E talvez, (e disso só a nossa amiga bipolar, água, pode saber), a tempestade volte. Mais forte, diferente, mais ou menos destrutiva. E não importa o que eu faça, não estaremos prontos. Meu pobre barco danificado e eu podemos afundar na próxima, e eu morreria afogada nos meus próprios medos e decepções. Mas nada disso importa no momento, pois sobrevivemos à última batalha e isso nos traz uma força facilmente abalável para lidar com a próxima luta pela vida. Esperanças de que dessa vez o descanso dure um pouco mais. Meu barco e eu concordamos, uma companhia não faria mal. A água não é confiável, nem mesmo o barco, ou eu mesma, nem o sol. Mas talvez você possa ser, pelo menos por enquanto. E por favor, não chore. Talvez a esperança seja o caminho mais curto para a desgraça, mas talvez não. E eu vou ficar bem. Vamos ficar. Não importa nada, e agora eu só preciso de você. Como amigo, como sobrevivente, como semelhante. Estamos tão perto... Acreditamos nisso juntos. Acreditamos que podemos mudar o rumo de tudo. Que podemos ser felizes! Agora é hora! É hora de viver, viver para a arte, viver para a felicidade...