quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Céus caídos

Antes pudesse eu te garantir
estrelas preciosas no céu escuro do futuro.   
Antes soubesse eu que em nada interferiria
a calma de tuas tardes de paz nublada.

E se ao menos as noites

pras quais caminhamos
nos amparassem com certezas...
Gozaríamos descuidadamente
das constelações que sonhamos.

Imagina se não fôssemos então

a própria volatilidade.
Tudo que se esvai, tudo que se vai;
A estrela cadente,
o fogo de artifício.

Imagina se não fôssemos 
sequer humanos
e mergulhássemos juntos 
em eternidade.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

"A rosa do amor
 perdi-a nas águas.

 Manchei meus dedos de luta
 naquela haste de espinho.
 E no entanto a perdi.
 Os tristes me perguntaram
 se ela foi vida p'ra mim.
 Os doidos nada disseram
 pois sabiam que até hoje
 os homens
 dela jamais se apossaram.

 Ficou um resto de queixa
 na minha boca oprimida.
 Ficou gemido de morte
 na mão que a deixou cair.

 A rosa do amor
 perdi-a nas águas.
 Depois me perdi
 no coração de amigos."

 (Hilda Hilst)

domingo, 13 de agosto de 2017

Valsa

"Fez tanto luar que eu pensei nos teus olhos antigos 
e nas tuas antigas palavras.
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos,
que tornei a viver contigo enquanto o vento passava. 

Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto

e modelou tua voz entre as algas.
Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
e estudo apenas o ar e as águas.

Coitado de quem pôs sua esperança 

nas praias fora do mundo...
- Os ares fogem, viram-se as águas,
mesmo as pedras, com o tempo, mudam."

(Cecília Meireles)


sábado, 5 de agosto de 2017

Alô, alô, Marciano!

Alô, alô, Marciano! Aqui quem fala é da Terra e pra variar está tudo mil maravilhas. Gozamos de paz e flores pra tudo quanto é lado. Negócios vão de vento em popa e nunca se viu cidadãos mais felizes em outros tempos.

Dia desses, se quiseres, aparece por aqui pra darmos uma volta e enfeitarmos as ruas com lixo e pichações chulas. Te garanto risadas desesperadas e comida deliciosamente envenenada. Podemos caminhar a passos curtos, de modo a consumir com cautela o que se passa nas telas que carregamos conosco, enquanto ignoramos humildemente os corpos deitados nos cantos sujos do chão em que pisamos.

Vamos juntos assistir às séries e novelas mais faladas do momento pra termos o que comentar, pra ter do que gostar, pra ter algo a se apegar e sobre o quê discutir com colegas na manhã seguinte. Ah... A manhã. Pegaremos ônibus e não desejaremos um bom dia ao motorista, tampouco olharemos para seu rosto, a fim de manter o inconfundível sabor de superioridade em nossas bocas.

Teremos a rotina mais divertida que pode imaginar. Aplicaremos substâncias usadas em animais em nossos corpos e iremos ritualisticamente à academia porque, afinal, faremos parte da chamada geração saúde, e então exibiremos nossos músculos em público e em todas as redes sociais possíveis - com a única e exclusiva intenção de provar o quão saudáveis nós estamos, é claro; "o importante é ter saúde", diremos.

Vamos produzir dinheiro já sabendo que grande parte desse nos será roubada. Não te soa justo?

Vamos ao shopping comprar coisas e mostrar pra eles que podemos também, que somos também, que fazemos parte também. Não te parece terapêutico?

Vamos nos desligar e nos fechar completamente para qualquer assunto relacionado a política, pois convenhamos, quanta chatice! E não te põe mais confortável?

Vamos lá, vem pra cá, vai ser inesquecível. E em troca da experiência que hei de te proporcionar, peço apenas uma coisa: quando já não quiseres por aqui ficar, quando pra outro mundo desejares voltar, que tenha piedade. E me leve embora contigo.